TEATRO EXPERIMENTAL DE ALTA FLORESTA E CELEIRO DAS ANTAS


sexta-feira, 17 de junho de 2011

Reflexões sobre nossos encontros em Alta Floresta

A primeira viagem a Alta Floresta foi recheada de discussões com temas específicos e com temas abertos, mas quase todos em torno do fazer teatral. Eita!, discutir sobre o fazer artístico as vezes é tão difícil, é tão melindroso que ficamos horas divagando e evitamos ir direto ao assunto. As vezes para emitirmos uma opinião curta e grossa, tipo: Não gostei., ou, Absolutamente nada haver., Não entendi a sua proposta. Soltamos uma montanha de frases, fazemos volteios e reviravoltas, transformando nossa opinião num verdadeiro tratado sobre nossas limitações e incongruências. Saímos da conversa arrotando paroxítonas de efeito, sem ter ido ao ponto X da questão. Em Alta Floresta também não foi diferente, é difícil falar o que pensamos sobre o trabalho do outro.
Somos muito eficientes nas nossas organizações, elaboramos bons projetos, conseguimos ser aprovados em editais, e quando vamos teorizar sobre o nosso fazer teatral, parece que as ideias embaralham. Como é difícil ser claro com nossos pares quando o assunto é o resultado do nosso trabalho artístico. Daí o que nós sobra é desfilar palavras de elogios, mas essas também não são eficientes, não traduzem a nossa opinião sobre o trabalho do outro. E tem outra coisa que me incomoda: quando converso com a pessoa que apresentou um espetáculo e ela começa a dar uma versão do que ela apresentou, e o que ela fala, é tão diferente do que vi, que chego a pensar que ela está falando de outro trabalho. Ela não está falando do que fez, mas do que ela imaginou ter feito.
Sei que sempre irão existir no mínimo três versões de uma obra teatral. A primeira é aquela que idealizamos, a que no mundo das ideias foi responsável por ter mobilizado todos os nossos recursos para colocar a obra em cena. A segunda versão é aquela que conseguimos fazer, a que levamos para cena; é tão difícil transformar nossos sonhos em realidade. Parodiando o Chico Simões - os sonhos são planos e a realidade é acidentada. A terceira versão é a da plateia, aí cada um vê o que consegui vê, cada um se apropria da obra de acordo com a sua capacidade. Sobre as duas primeiras temos controle, sobre a terceira, essa assim que surge já não nos pertence. Segundo Eugênio Barba em Além das Ilhas Flutuantes: O teatro é ficção, visão. Somente sua intensidade de sugestão influi sobre os espectadores. Quando se esforça em transformar-se no que quer sugerir, perde seu efeito. Que alívio foi pra mim entender que sempre haverá no mínimo essas três versões de uma obra.
Mas, é a distância entre a teoria e a prática, que há muito tempo tem me chamado a atenção. Às vezes penso que o nó da questão está na formação. Nos últimos anos no Celeiro das Antas, temos trabalhado praticamente com atores estudantes de teatro ou já formados por uma das duas faculdades de teatro da cidade.
Teoricamente a escola seria o local de formar o ator, pode ser uma escola tradicional aos moldes das escolas técnicas ou uma escola informal, construída por uma prática do fazer. Não importa o formato da escola, o importante é a formação do artista. O importante é ele ser capaz de criar um corpo para uma personagem, reproduzir os aspectos emocionais, os sentimentos, emitir uma voz que chegue com clareza aos ouvidos da plateia, compor tudo isso no decorrer dos ensaios e ser capaz de repetir tudo, como se tudo fosse feito pela primeira vez, quantas vezes for preciso, confrontando com as diversas variáveis que influenciam a execução da cena.  É isso que se espera de um ator, que ele domine as ferramentas do seu ofício, independente da sua escola.
Na prática temos encontrado muitos atores saídos de escolas formais que dominam de forma muito precária as ferramentas necessárias para o exercício do seu ofício. O que transforma os primeiros ensaios em verdadeiras oficinas básicas, buscando um mínimo de vocabulário comum com os atores. Sei que para começar um trabalho de direção é necessário criar condições de entendimento com os atores, fazer trabalho para nivelar o entendimento do grupo, isso normal, contando que dure três a cinco encontros, mas passar dois meses trabalhando sobre esse aspecto, já considero isso uma oficina de formação.
Eugenio Barba em seu livro Além da Ilhas Flutuante, escreve:
O mal-entendido começa com a pedagogia, esta situação íntima e particular, na qual uma geração oferece suas experiências – de arte e de vida - a outra geração. É completamente ilusório aprender uma série de elementos que, na realidade, não são mais que clichês e estereótipos: um pouco de dicção, um pouco de história do teatro, um pouco de psicologia e quando muito um pouco de dança moderna e de acrobacia. Somente mediante uma renovação contínua de nossa atitude pessoal diante da vida se determinará um novo enfoque de nossa arte. É o processo que nos transforma, o modo de encarar cotidianamente nosso trabalho. (1991, p. 33)
A troca de experiência de uma geração com outra, isso caracteriza uma escola? Segundo Eugênio Barba, sim. Eu também acredito nisso. Mas para que isso ocorra de forma efetiva, é necessário que o ator reconheça essa troca de experiência, esse aprendizado como sendo a sua escola, reconheça em si as suas ferramentas, as suas qualidades adquiridas e faça delas uso nas suas criações. Se o ator não assumir essa relação de troca, reconhecendo nela a sua escola, ele ficará sempre na expectativa de que um dia vai aprender aquilo que ele não sabe, não reconhecendo o conhecimento que ele já tem, vai ficar numa eterna busca sem reconhecer nele os bens já adquiridos, as ferramentas que já estão disponibilizadas dentro dele para o seu próprio uso e usufruto de seus parceiros de cena, diretor e plateia. Muitas vezes ele as utiliza sem a mínima consideração do que faz.
É como diz o Barba, É o processo que nos transforma, o modo de encarar cotidianamente nosso trabalho, a nossa atitude diante de nos mesmos, diante dos nossos feitos, erros e acertos que vão definir o artista que estamos construindo em nós. O processo se dá na construção continua do dia a dia, sem o reconhecimento de quem o vive, sem a proclamada Pedagogia da Autonomia definida por Paulo Freire de nada adianta os conceitos contidos nos livros e assimilados por nós, eles são muito importantes, porém ter apenas estes conhecimentos e não estar antenado com a realidade do nosso mundo, com as necessidades que nos cercam, sem conseguir estabelecer diálogos entre nossos processos de criação e nossas obras com o mundo a nossa volta, o conhecimento adquirido é apenas informação, não se transforma em saberes.
De volta pra casa. Tomado a distância necessária de tempo e espaço. Agora consigo compreender que o TEAF é uma escola, aberta e livre, sem um método tradicional, uma escola construída informalmente, que vem passando de mão em mão, mantendo-se vivo. Quando na nossa primeira visita a Alta Floresta, discutíamos nas nossas mesas redondas, literalmente redondas e democráticas; o que buscávamos, não era uma crítica sobre o trabalho produzido, mas o entendimento do processo vivido, e em que estágio estamos dentro desse processo, o que temos em comum e o que pode ser compartilhado, e, que atenda ao interesse de cada um. Digo isso porque na nossa primeira videoconferência ficou de forma velada, a definição de que nós do Celeiro somos o grupo dos formados, os que passaram por uma escola de teatro e o TEAF era o grupo dos sem formação, os que não tinham passado por uma escola. Depois de ter participado da 3ª videoconferência pude ver que as nossas realidades são muito mais semelhantes do que pode imaginar a nossa vã filosofia. Mas, isso é assunto para outros escritos...
Pausa para um café, hoje está muito frio para tomar cerveja.
José Regino

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